segunda-feira, 12 de março de 2012

Flexibilidade.

 A questão da flexibilidade era dada como "morta" até alguns anos atrás. A ordem era alongar sempre, antes e depois do treino, e quanto mais flexível fosse o corredor melhor para sua saúde e performance. A lógica desse pensamento era (possivelmente) o seguinte: em primeiro lugar, uma estrutura mais flexível flui melhor e resiste menos ao movimento, consequentemente se lesionando menos; em segundo lugar, a flexibilidade decai com a idade, então possivelmente isso deva ser combatido; e terceiro e não menos importante, atletas de elite alongam, então deve funcionar.
Esta lógica foi muito atacada recentemente, e surgiram todos os tipos de correntes: quem alonga somente antes, quem alonga apenas depois, quem nunca alonga e vários níveis intermediários no meio destes. Estas propostas alternativas se apoiam nos achados de que corredores mais económicos (que utilizam menos oxigénio para correr a uma dada velocidade) tendem a ser menos flexíveis em algumas articulações, e também na inconsistente relação entre flexibilidade e a ocorrência de lesões.
As novas correntes mostram que uma estrutura mais rígida é mais eficiente na transmissão de força e que justamente por ser mais rígida ela estaria mais protegida de atingir comprimentos que causariam lesões. Por rigidez se entende o quanto uma estrutura se deforma quando uma força é aplicada sobre ela. Ou seja, se nossas articulações funcionam como alavancas, e elas funcionam, uma alavanca mais mole perde força quando se deforma (é ineficiente), e mais facilmente atinge graus de deformações perigosos (é mais propensa a lesões).
Um dos trabalhos apresentados no congresso comparou um grupo de ginastas profissionais, com mais de dez anos de prática intensiva de alongamentos, com um grupo de pessoas fisicamente ativas. Com o uso de ultrasonografia para visualizar os tendões, foi identificado o comprimento do tendão patelar durante contrações de extensão de joelho.
O surpreendente foi que não houve nenhum tipo de deformação extra nos tendões das ginastas, o que seria esperado por eles serem muito mais flexíveis que o outro grupo de participantes. Pelo contrário, os valores foram até um pouco menores. Isso quer dizer que os tendões de pessoas que praticam altas doses de alongamentos não possuem características diferentes daqueles que não os fazem com regularidade.
SEM ALTERAÇÃO NOS TENDÕES. Este achado indica que quaisquer que sejam as diferenças estruturais responsáveis pela diferença de amplitude de movimento nas estruturas entre quem alonga ou não, elas estão nos músculos em si e não nos tendões como se acreditava. Existe a possibilidade de que são os músculos de quem alonga que se tornam mais longos, sem qualquer efeito nos tendões. Se esse for o caso, isto diminui consideravelmente qualquer risco de "malefício" que possa ser atribuído à prática de alongamentos.
Saindo da discussão teórica, um trabalho prático na mesma área comparou a rigidez da perna com a rigidez de diferentes músculos e tendões durante a corrida, utilizando técnicas sofisticadas de ultrasonografia, imagens em 3D e plataformas de força. O estudo confirmou a relação entre rigidez de diferentes estruturas das pernas e economia de corrida apenas para o tendão do gastrocnêmio medial (panturrilha), enquanto diversos outros tendões e músculos e mesmo a rigidez da perna como um todo não apresentaram qualquer relação com a economia de corrida.
Em bom português, ambos os trabalhos mostraram que para fins de performance e desempenho o grau de flexibilidade de um indivíduo não está relacionado às propriedades mecânicas dos tendões, e estas por sua vez não estão vinculadas com a economia de corrida. Ou seja, indivíduos com menor amplitude de movimento em algumas articulações parecem, sim, ter uma melhor economia de corrida, mas as intervenções de treino de flexibilidade, como as utilizadas hoje, são insuficientes para alterar esse quadro, quer o corredor se torne mais ou menos flexível. Recentemente diversos trabalhos apontaram para uma redução de força logo após uma sessão de alongamentos, e isso vem sendo usado como argumento pelos grupos anti-alongamento.
Um terceiro trabalho na área realizou uma revisão de todo o material já publicado sobre os efeitos do alongamento sobre a força máxima. O estudo mostrou que só existe evidência concreta para este efeito quando alongamentos são concretizados por mais de 60 segundos, o que é extremamente raro em situações reais. Os alongamentos normalmente realizados por corredores, por cerca de 15 segundos quando muito, não possuem qualquer efeito significativo sobre a capacidade de produção de força e, portanto, não são um problema se realizados antes do treino. Além disso, alongamentos para fins de ganho de flexibilidade não devem ser feitos após um treino intenso, quando os reflexos do corpo podem estar prejudicados, pois aí sim os músculos estariam mais suscetíveis a lesões.




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